09 Dezembro 2015
Celebrar o Concílio Vaticano II — especificamente hoje seus 50 anos de encerramento — é reconhecer com modéstia, não apenas um acontecimento eclesial e teológico, mas um “evento de Deus” na vida da humanidade a partir do testemunho sincero, eloquente e livre dos cristãos católicos na sua experiência eclesial, social e pública. É um concílio ecumênico: 21º Concílio Ecumênico da Igreja Católica. Em breve contextualização, podemos dizer que o Concílio Vaticano II foi convocado no dia 25 de dezembro de 1961, pelo papa João XXIII e realizado em 4 sessões, entre 11 de outubro de 1962 e 08 de dezembro de 1965. O encerramento, que hoje fazemos "memorial", foi sob condução de Paulo VI, e não marcou apenas o final de uma reunião de bispos e de peritos, mas a disposição de uma Igreja que encontra sua vitalidade na disposição fundamental da escuta atenta aos "sinais dos tempos". É uma postura adequada para não ficar obsoleta em seu próprio gueto. É uma história de esperança e de desafios. A eclesialidade do Concílio Vaticano II não está fechada em si mesmo, mas aberta numa postura dialogal com a sociedade. As palavras-chave para entendê-la são aggiornamento e pastoralidade. É uma reforma não doutrinal, mas pastoral.
Nesse espírito de celebração, o Instituto Humanitas Unisinos — IHU promoveu em 2015 um colóquio Internacional (19 a 20 de Maio) — com o rigor científico que lhe é próprio –, e convidando diversos(as) pesquisadores(as) e professores(as) a refletir sobre “A Igreja no contexto das transformações tecnocientíficas e socioculturais da contemporaneidade”. Hoje publicamos uma sistematização de todo o material produzido e veiculado - multimídias, entrevistas, artigos, através da Revista IHU On-line, Noticias do Dia e Cadernos Teologia Pública.
Lançamento do Livro
Christoph THEOBALD. A recepção do Concílio Vaticano II: I. acesso à fonte. São Leopoldo: Unisinos, 2015, 820 p.
Concílio Vaticano II, um guia de leitura
Este Guia de Leitura recupera as produções realizadas e veiculadas em vista da celebração dos 50 anos do Concílio Vaticano II e compõem-se de seis linhas orientadoras:
OBS: Para acessar ao Caderno na sua versão em PDF basta acessar ao link em cada título.
Christoph Theobald, Centre Sèvres da Faculdade Jesuíta de Paris.
É possível identificar, na exortação apostólica Evangelii Gaudium do Papa Francisco, uma tentativa de dotar a Igreja de um princípio de interpretação da obra altamente complexa e diversificada do Vaticano II? O artigo responde a essa pergunta, identificando primeiramente o estilo do documento e, sucessivamente, sua decisão principal que consiste em estabelecer uma relação intrínseca entre o anúncio do Evangelho a toda criatura – aos pobres especialmente – e a reforma da Igreja, explicitando, em conclusão, as consequências doutrinais dessa decisão.
Vaticano II: a crise, a resolução, o fator Francisco
John O’Malley, Georgetown University
A situação atual oferece, para nós que estudamos o Concílio, um ensejo para dar um passo atrás e examiná-lo atentamente. Ao invés de refletir sobre cada um dos dezesseis documentos finais, como se faz habitualmente, sem levar em conta sua unidade de conjunto, podemos tomar fôlego e examiná-los como um corpus único e coerente, com uma mesma proposta no que se refere aos objetivos e aos valores cristãos fundamentais. Enquanto revisitamos o Concílio nessa perspectiva, tomaremos em consideração o evento da eleição de Jorge Mario Bergoglio, como Papa Francisco, ocorrido no dia 13 de março de 2013.
Gilles Routhier, Université Laval, Canadá.
O Concílio Vaticano II é uma experiência de aggiornamento – termo utilizado por João XXIII – expressando a necessidade de um novo modo de ser ad intra e ad extra da experiência eclesial. A terminologia da reforma está presente no corpus do Vaticano II através de diversos termos: reforma, renovação, revigoramento, restauração e aggiornamento. Neste texto, o autor discorre sobre a experiência conciliar, com o objetivo de analisar como os padres conciliares acabaram por elaborar e propor reformas. Sendo a história a mestra da vida, postula que podemos tirar algumas lições do Concílio e que a análise do processo que levou os padres a imaginar a reforma de/na Igreja pode nos ensinar sobre a maneira de conduzir reformas nos dias de hoje. No centro dessa experiência conciliar, o autor retrata três práticas específicas: a ação litúrgica, uma leitura contextual da Escritura e a deliberação que assume a forma do diálogo.
Christoph Theobald, Centre Sèvres da Faculdade Jesuíta de Paris.
Falar de “potencialidades de futuro” de Gaudium et spes requer uma conscientização imediata da distância histórica que nos separa desse texto, redigido há quase 50 anos. É a própria Constituição Pastoral que, em um ato que pode agora ser considerado profético, nos adverte acerca de seu próprio enraizamento contingente e, por esta razão, nos convida a fazer hoje o mesmo trabalho de discernimento que ela realizou em “seu tempo” (in mundo huius temporis). Surge, então, uma distinção que não deveríamos assimilar apressadamente como sendo óbvia, pois ela representa a primeira e provavelmente a mais nova e promissora das potencialidades de futuro do texto: a diferença entre o discernimento dos sinais dos tempos como método ou maneira de proceder e seu resultado, que, em 2015, não pode mais ser o mesmo de 1965.
A espiritualidade humanística do Vaticano II. Uma redefinição do que um concílio deveria fazer
John W. O’Malley, Georgetown University.
"A palavra “humanismo” aparece três vezes nos documentos do Vaticano II, uma vez em sentido positivo e duas em sentido negativo. Portanto, esse termo é ambivalente e pode ter acepções incompatíveis com o catolicismo. Entretanto, se for entendido de maneira apropriada, ele é eminentemente compatível e um termo apropriado para indicar o ideal que o concílio propôs. Entendo que “humanismo”, aplicado ao concílio, indica uma ênfase na dignidade da pessoa humana como ser criado por Deus e redimido por Cristo, uma pessoa que, além disso, age a partir de convicção interior e passa sua vida em interação positiva com outros seres humanos. Minha outra tese é que essa ênfase humanística foi possibilitada porque o Vaticano II adotou uma certa forma de discurso, um certo estilo de falar que era radicalmente diferente do estilo de concílios anteriores. Sustento, portanto, que um aspecto indispensável da hermenêutica do Vaticano II consiste em uma grande atenção ao estilo retórico do concílio e que, se prestarmos atenção a esse estilo, perceberemos por que surgiu a ênfase na dignidade humana e na interação humana."
“Gaudium et Spes” 50 anos depois: seu sentido para uma Igreja aprendente
Massimo Faggioli, University of St. Thomas
Gaudium et Spes, um documento que ficou quase “esquecido” durante o pontificado de Bento XVI, é um dos documentos conciliares mais frequentemente citados pelo Papa Francisco. Não há muita dúvida de que a constituição pastoral é o documento-chave do Vaticano II para orientar nossa compreensão do Papa Francisco e sua relação tanto com o próprio Concílio quanto com o período pós-conciliar. Então, qual é o sentido dessa inversão, desse retorno da constituição pastoral do Vaticano II? Qual é o sentido de Gaudium et Spes para os teólogos e fiéis da “Igreja no mundo moderno” de hoje em dia, em um mundo que é significativamente diferente do mundo de 1965?
A historicidade da revelação e a sacramentalidade do mundo: o legado do Vaticano II
Sinivaldo S. Tavares, OFM, Instituto Teológico Franciscano - ITF, de Petrópolis, RJ.
Com o presente artigo, busca-se indagar as eventuais afinidades entre Dei Verbum e Gaudium et Spes. O fato de terem sido as duas últimas Constituições aprovadas em sede conciliar, por si só, constitui algo extremamente significativo. O processo de composição de uma e de outra recobre o inteiro arco da realização do Concílio. Sorveram, mais que os demais textos conciliares, a seiva daquele espírito de aggiornamento que andou caracterizando o Vaticano II e, por esta razão, são documentos que recolheram os melhores frutos produzidos durante aquela fecunda estação.
Christoph Theobald, Faculdade de Teologia de Centre-Sèvres, Paris, França.
A imagem do “gancho”, usada por Karl Rahner, nos permite compreender o desafio atual da recepção do Concílio Vaticano II. Em 27 de fevereiro de 1964 ele escreveu para Herbert Vorgrimler: “Voltei ontem de Roma, cansado. Mas lá sempre podemos nos esforçar para evitar o pior e para que, aqui e ali, um pequeno gancho seja suspenso nos esquemas para uma teologia futura”. “Aqui e ali, um pequeno gancho”, eis o potencial de futuro dos documentos conciliares; este potencial, hoje, só pode ser distinguido no diálogo com o nosso próprio diagnóstico do momento presente.
Contextualização do Concílio Vaticano II e seu desenvolvimento
João Batista Libânio, SJ.
O Concílio Vaticano II encerrou a longa etapa da Contra-Reforma e da neocristandade, modificando profundamente o clima da Igreja. A sua contextualização implica vários passos, entre os quais destacam-se neste artigo: alguns traços da Igreja da Contra-Reforma; realidades socioculturais que provocaram a crise desse modelo; a crise dentro da Igreja, provocada pela entrada da modernidade; fatores imediatos que decidiram sobre a convocação e a orientação do Concílio nos seus inícios.
A Constituição Dogmática Dei Verbum e o Concílio Vaticano II
Flávio Martinez de Oliveira, UCPel (Universidade Católica de Pelotas).
Situa-se a Dei Verbum em seu contexto próximo e imediato até chegar ao Vaticano II. Nos séculos XIX e XX há avanços e restrições por parte dos documentos magisteriais e na teologia nos principais aspectos abordados no Documento: a Revelação, as fontes da Revelação, as relações entre Escritura e Tradição, a verdade bíblica, a inspiração e os autores divino e humano da Escritura, os métodos de exegese. A complexidade das questões abordadas e o candente debate entre os padres conciliares, com a assessoria dos mais eminentes teólogos, vêm descritos até se chegar à redação definitiva. Os principais temas e as questões que permanecem abertas são enumerados e brevemente analisados. A Dei Verbum apresenta um caráter único que fermenta todo o Concílio Vaticano II. Inova ao assumir o caráter cristológico, eclesiológico, antropológico e pastoral da revelação. Entender esta constituição dogmática permite melhor compreender não somente a história da interpretação da Bíblia que se sucede, mas toda a história da teologia e da Igreja que resulta do Vaticano II, pois a Bíblia, antes relegada à marginalidade, no seu estudo “deve ser como que a alma da sagrada teologia” (DV 24) e, consequentemente, da vida da Igreja. Nem tudo foi resolvido, mas o caminho foi largamente aberto e se afirmou na pesquisa, no ensino, na missão, na pastoral.
50 anos depois do Concílio Vaticano II: indicações para a semântica religiosa do futuro
José Maria Vigil, Associação Ecumênica de Teólogos/as do Terceiro Mundo (ASETT/EATWOT)
Hoje, torna-se curioso, quase nostálgico, recordar que, na hora de caracterizar “o mundo atual”, naquele distante 1965, um traço que a Gaudium et Spes destacava como surpreendente e inovador era ser uma época de mudanças e de mudanças aceleradas. “Já quase não é possível ao ser humano de hoje dar prosseguimento a essa história tão movimentada, nesta época de mudanças aceleradas”, dizia. E certamente aquele Concílio, por sua vez, introduziu na Igreja uma época acelerada de mudanças religiosas e pastorais.
Pensar o humano em diálogo crítico com a Constituição Gaudium et Spes
Geraldo Luiz De Mori, FAJE (Faculdade Jesuíta de Filosofia e Teologia).
A Gaudium et Spes (GS), um dos últimos textos do Concílio Vaticano II, é conhecida por seu teor pastoral. Sua estrutura interna, que começa com um Proêmio (n. 1-2), ao qual se seguem a Introdução, “A condição humana do homem no mundo de hoje” (n. 4-11), e duas partes, a primeira, “A dignidade da pessoa humana” (n. 12-45), e a segunda, “Alguns problemas mais urgentes” (n. 46-93), mostra, porém, que o teor pastoral é o resultado de uma elaboração dogmática. Pode-se dizer que os quatro capítulos da primeira parte são um esforço por pensar o ser humano à luz da cristologia. Embora a interpretação imediata da GS após o Concílio tenha sido a do diálogo da Igreja com o mundo contemporâneo, o texto é o resultado de um esforço por romper os esquemas subjacentes à teologia pré-conciliar, que opunham o natural ao sobrenatural, fazendo a revelação intervir num segundo momento, justapondo um plano ao outro. A GS procura pensar o humano à luz do cristológico, e seu esforço foi lido de modo diferente no debate que se seguiu ao Concílio, protagonizado, entre outros, por E. Schillebeeckx, H. de Lubac e G. Colombo. Para além desse debate, os anos que se seguiram à publicação desse texto conciliar viram o surgimento de tratados de antropologia teológica, muitos dos quais se valendo da nova articulação feita pela GS. Esta comunicação pretende, após uma breve retomada dos grandes núcleos da articulação entre antropologia e cristologia feitos no texto da GS, retomar o teor das três “recepções” da articulação acima mencionada, para, num terceiro momento, apresentar os esquemas que parecem subjazer aos principais tratados de antropologia teológica elaborados após o Concílio.
Há 50 anos houve um concílio... Significado do Vaticano II
Victor Codina, Universidade Católica de Cochabamba
O artigo é motivado pela preocupação de recuperar o significado do Concílio Vaticano II para que sua mensagem seja uma boa notícia para o mundo de hoje. O significado desse evento eclesial é evidenciado, incialmente, mediante uma contextualização da época pré-conciliar (liturgia, movimentos bíblico, patrístico, litúrgico, ecumênico, pastoral; nova sensibilidade social; figuras teológicas mais relevantes daquele momento) enquanto terreno fértil do Concílio e culmina numa. Num segundo momento, o artigo apresenta o Concílio enquanto tal, apresentando a figura de João XXIII e sua convocação para um aggiornamento da Igreja, uma visão sumária de algumas chaves de leitura do Vaticano II e a síntese final de Paulo VI, caracterizada como “uma espiritualidade samaritana”. Num terceiro momento, após um testemunho de vivências pessoais do Concílio, é feito uma exposição a respeito do pós-concílio, que abrange desde a “primavera eclesial” dos primeiros anos até o mal-estar dos últimos. O artigo conclui articulando a ideia de caos e kairós como expressão das possibilidades da ação do Espírito para o tempo de crise da Igreja nos últimos anos.
Diálogo Inter-religioso: 50 anos após o Vaticano II
Peter C. Phan, Georgetown University
Este ensaio apresenta um levantamento da teologia e da prática do diálogo inter-religioso na Igreja Católica Romana desde o término do Concílio Vaticano II em 1965. Estruturado em torno às perguntas “De onde viemos?”, “Onde estamos atualmente?” e “Para onde vamos?”, o texto parte de uma exposição sobre o olhar da Igreja Católica sobre as outras religiões antes da década de 1960, apresenta os acontecimentos mais notáveis nas relações da Igreja Católica com as outras religiões e as mudanças mais significativas na teologia das religiões dos últimos 50 anos, culminando numa indicação de direções e trajetórias para o diálogo inter-religioso nas primeiras décadas deste terceiro milênio cristão.
Concílio Vaticano II: o diálogo na Igreja e a Igreja do Diálogo
Elias Wolff, PUCPR (Pontifícia Universidade Católica do Paraná).
Refletir sobre o Concílio Vaticano II implica refletir sobre o diálogo na Igreja e a Igreja do diálogo como um dos elementos centrais para o aggiornamento eclesiológico proposto pelo ensino conciliar. O Concílio foi em si mesmo uma fecunda experiência de diálogo e essa experiência passa a configurar o modo de ser e de agir da Igreja. A partir de então, a Igreja desenvolve essa experiência em três principais horizontes: com a sociedade (diálogo sociocultural); com as outras Igrejas (diálogo ecumênico); com as religiões (diálogo inter-religioso). Isso implica saber situar-se no contexto sociocultural e religioso atual, que se caracteriza pela pluralidade. Nesse contexto, é preciso superar toda tendência ao exclusivismo, à apologética conflitiva, ao universalismo monopolizador. E afirmar uma “Igreja em saída”, “não autorreferenciada”, que não teme percorrer os caminhos do diálogo, da comunhão e da parceria. Somente assim é possível um real aggiornamento da Igreja em sua autoconsciência, suas instituições, seus projetos de evangelização, sua espiritualidade, na perspectiva do encontro com as diferentes tradições socioculturais, eclesiais e religiosas do nosso tempo que a enriquecem. Esse modus essendi e modus operandi da Igreja precisa ser afirmado nas comunidades católicas atuais como expressão da fidelidade destas à dialogicidade do ensino conciliar.
Afonso Murad, FAJE (Faculdade Jesuíta de Filosofia e Teologia).
O artigo visa mostrar a contribuição da Constituição Pastoral Gaudium et Spes, do Concílio Vaticano II, para a escatologia contemporânea. O autor escolheu como método um estudo comparativo entre o ensino de um catecismo tradicional católico, anterior ao Concílio (CAULY), referente aos novíssimos, e os artigos do referido documento conciliar. Foram escolhidos como parâmetro os temas: antropologia dual, morte e ressurreição, juízo e nova criação, centralidade cristológica, tensão entre ação humana e vinda do Reino. Com isso, há critérios para avançar na escatologia, além de subsidiar a elaboração de textos pastorais acerca deste tema fundamental para a vida cristã.
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